quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Artigo: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a Ciência Brasileira.

  Durante os últimos dez anos o povo brasileiro vem sendo "bombardeado" com informações de diversas fontes sobre a questão da construção da polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte, na volta do rio Xingu, no estado do Pará. Desde protestos indígenas, de organizações não-governamentais nacionais e internacionais, até protestos de pessoas nacional e internacionalmente famosas e vídeos de estudantes tratando da questão no youtube. Mas a questão que interessa (ou que deveria interessar) é: o que o corpo de cientistas brasileiros diz sobre a questão? O que a ciência tem a nos dizer sobre isso?
  A usina hidrelétrica de Belo Monte, por ser uma obra de gigantescas proporções, atinge questões de diversas áreas do conhecimento. Ou seja, para sintetizarmos a questão, precisamos, antes, analisá-la sob a ótica de cada área do conhecimento que contribua para entendermos a questão.
  Antes, porém, convém destacar uma coisa: de acordo com especialistas em energia elétrica, o "pânico" que vem sendo gerado sobre um novo apagão no Brasil é fantasioso. Não vai faltar energia ao Brasil em curto e médio prazos. Apesar de estudos do próprio Minstério de Minas e Energia apontarem que o Brasil precisará investir cerca de 300 bilhões de dólares (aproximadamente 600 bilhões de reais) em energia nos próximos dez anos para evitar um apagão, não há a possibilidade iminente de desabastecimento energético no Brasil. Isso se confirma por várias questões, como, por exemplo, a geração de energia termoelétrica em caso de insuficiência das hidrelétricas.
  Analisando a questão, então, sob o ponto de vista técnico, a engenharia destaca que a usina hidrelétrica de Belo Monte possui mais desvantagens do que vantagens. Em questão de custo-benefício, por exemplo, a usina vai produzir energia sempre sem atingir suas capacidades plenas. O gasto, estimado em mais de 30 bilhões de reais, só será pago após anos de uso - e muito desperdício - da usina. Além disso, a capacidade hdrelétrica do país não fora totalmente explorada, sendo, então, mais viável, sob o ponto de vista técnico, construir uma usina semelhante em outro lugar, fora da floresta amazônica.
  Sob o ponto de vista das ciências naturais, convém destacar que a usina hidrelétrica de Belo Monte, assim como ocorreu com a construção da usina hidrelétrica de Três Gargantas, na China, provocará a perda irreversível - extinção - de dezenas de espécies conhecidas, além da perda irreversível de informação sobre a biodiversidade a ser explorada - extinção de espécies que nem sabemos que existem. Além disso, o curso do rio seria totalmente afetado, alagando uma área dezenas de vezes maior do que a declarada no - vergonhoso e nada confiável - estudo de impacto ambiental feito pelo governo federal. A perda de jazidas minerais e de biodiversidade é calculada como prejuízo financeiro na casa dos bilhões de dólares até trilhões, por não sabermos o real potencial do que poderia haver lá.
  Pelo viés das ciências humanas e sociais, é interessante destacar três subáreas: o aspecto político, o aspecto jurídico e o aspecto social-antropológico. São esses os três aspectos principais acerca da construção da usina perante os dizeres das Humanidades.
  É evidente que a construção da usina hidrelética de Belo Monte vem de necessidades políticas, e não de necessidade energética. A construção da usina beneficiará as novas indústrias que poderão, enfim, se instalar no Pará, já que haverá energia local e barata para seu funcionamento, e, principalmente, os empreeiteiros do consórcio vencedor do leilão para a construção da hidrelétrica. O Brasil passou por cima de protestos, passou por cima de laudos técnicos, passou por cima da opinião científica nacional e internacional, e desdenhou das possíveis sanções aplicáveis por órgãos internacionais caso essa usina saísse do papel sem mais diálogo. A insistência do governo brasileiro em construir essa usina demonstra, claramente, que se trata de uma questão puramente política, ou seja, de interesses de uns poucos sobre o interesse de outros.
  A questão jurídica de Belo Monte é complicada. O governo simplesmente ignorou, por pura negligência, diversas resoluções, embargos, laudos e proibições lançadas pelo Ministério Público e pelo governo do Pará sobre a construção da usina. Alguns apontam a construção da usina de Belo Monte como um ato politicamente criminoso, por derespeitar a lei. Sabe-se, portanto, que os interesses da construção da Usina conseguiram se sobrepor à Constituição nacional.
  A Sociologia do Meio Ambiente caracteriza a obra como um descalabro - justamente por ir na contramão do desenvolvimento sustentável. Não há nada de sustentável na construção de Belo Monte. Além de ser cara, os malefícios da construção não serão pagos somente pela natureza e pelo ambiente ao redor, mas, também, pagos pela sociedade brasileira e internacional. Houve diversos movimentos sociais que exigiram, legitimamente, a paralização da obra, sem sucesso. Além disso, há uma preocupação com as pessoas diretamente envolvidas com a obra: os funcionários que trabalham na construção da usina e os índios que terão suas terras alagadas por ela.
  Milhares de funcionários ficarão sem emprego após o término das obras, e diversas tribos indígenas ficarão sem os benefícios do rio Xingu - que perderá espécies de peixes e outros animais e plantas e terá seu acesso dificultado e completamente modificado, impedindo a navegação dos povos ribeirinhos. Haverá, também, perda de parques arqueológicos inteiros, desrespeitando a preservação, exigida por lei, de sítios históricos nacionais.
  Por fim, a análise que completa e que encerra a questão, é uma análise geográfica - uma análise que avalia e compreende a relação do homem com o meio ambiente, ou seja, que compreende, enfim, a relação dos interessados na construção da usina com o ambiente a ser afetado com a consturção da mesma.
  É importante salientar que a perda da biodiversidade, a perda histórica e a perda financeira a longo prazo não valem a construção da usina. Dito isso, interessa-nos analisar o todo a ser afetado. A cidade de Altamira, por exemplo, sofrerá, com a construção da usina, um aumento de aproximadamente 100% em sua população, mas não sofrerá o mesmo aumento em sua infraestrutura. Além disso, grande parte do centro da cidade será alagado pelas águas represadas e desviadas do Xingú. Ao trazer mais pessoas para dentro da floresta amazônica, tem-se maior área desmatada, fruto das atividades econômicas expansivas da sociedade capitalista atual, afinal de contas, as pessoas que se deslocarão a Altamira e arredores precisarão de mais casas, mais asfalto, mais carros, shopping centers etc. Nota-se, portanto, o total desleixo do governo federal e o total descaso e desinteresse para com os outros perante aqueles interessados na construção da usina. É um desrespeito, uma imoralidade e, como apontam alguns, um crime à sociedade e à natureza a construção dessa usina. O progresso não compensa nada disso.
  Em síntese, então, afirma-se com convicção e certeza de que a sociedade científica nacional não quer e desaprova a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, e exige o fim da obra e o abandono total do projeto. E é importante que a sociedade brasileira saiba disso. É importante que a sociedade se conscientize de que essa energia, ao contrário do que a reacionária classe média e a revista Veja acham, não vai chegar às nossas casas, não vai abastecer o consumo residencial. Ela será privilégio de alguns, em nome de interesses e enriquecimento de poucos, sem contrapartida social relevante. O Brasil vai gastar 30 bilhões de reais do nosso dinheiro para enriquecer algumas dezenas de pessoas em outros bilhões.
  Algo, enfim, não está certo nisso tudo. O Brasil, pelo visto, vai apostar mesmo na construção dessa usina. Mas saibamos que ela é um erro - em todos os sentidos. Pense nisso quando, daqui uns anos, você comprar algo que fora produzido no Pará, e beneficiado com essa energia suja.

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